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Chamaram meus pais. Mas por quê?

Os dados mostram que as medidas disciplinares nas escolas recaem, muitas vezes, sobre comportamentos que deveriam ser tratados com escuta e apoio — não como infração.

Escrito por Felipe Soares

17:00 - 05 de Maio de 2025

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Foto: Joel Rodrigues/ Agência Brasília

Entre abril e maio de 2024, o Equidade.Info ouviu estudantes de todas as regiões do Brasil sobre suas experiências com medidas disciplinares nas escolas. A pesquisa, realizada em todos os estados do país, revelou padrões que ajudam a entender melhor como a escola lida com o comportamento dos alunos — e com que tipo de resposta.

A primeira vez que chamaram os pais do Lucas na escola, ele tinha nove anos. O pai saiu do trabalho achando que era algo grave, mas o motivo foi “conversar demais na aula”. No caminho de volta, o silêncio entre os dois dizia tudo. Lucas não entendia por que, entre tantos que conversavam, só ele foi chamado — e, principalmente, por que ninguém perguntou o que estava por trás daquele comportamento.

Essa história dialoga com os dados que analisamos: 19,2% dos alunos afirmam que seus pais foram chamados à escola no último ano. Mas, ao olhar mais de perto, percebemos diferenças importantes entre meninos e meninas: enquanto 14,9% dos meninos foram chamados apenas uma vez (e 7,5% mais de uma vez), entre as meninas os percentuais são menores: 10,7% uma vez, e apenas 4,1% mais de uma vez.

As diferenças também aparecem por etapa de ensino. Alunos do ensino médio são chamados com mais frequência do que os de outras etapas: 18,5% deles relataram que seus responsáveis foram chamados uma vez, e 6,5% mais de uma vez.

Os motivos mais recorrentes também chamam atenção: “brigar com colegas” (41,3%), “conversar em sala de aula” (41,2%) e “notas ruins” (21,3%). E mais uma vez, há um recorte de gênero que merece atenção: 43,9% dos meninos disseram ter sido chamados por brigas com colegas, enquanto entre as meninas esse índice foi de 35,9%.

Será que, em vez de receber apoio pedagógico, escuta ou mediação, estamos tratando esses comportamentos como infrações — reforçando uma lógica punitiva que afasta, em vez de integrar, os estudantes à escola?

Conversar em sala pode ser sintoma de curiosidade, de tédio ou até de necessidade de conexão. Brigar com colegas pode estar ligado a conflitos emocionais não acompanhados, bullying ou relações tensas fora da escola. E notas baixas quase sempre apontam para desigualdades no acesso ao aprendizado — não necessariamente para falta de esforço. Em todos esses casos, chamar os responsáveis como primeira resposta não resolve o problema — e, muitas vezes, só o expõe publicamente, aumentando a vergonha e o isolamento do estudante.

Mais ainda: 28,8% dos alunos dizem que seus responsáveis foram chamados por “outro motivo” não listado, e 6,1% não viram motivo nenhum. Isso reforça o sentimento de arbitrariedade. 51,2% discordam da frase “já fui punido por algo que realmente fiz de errado”, e 37,7% relatam ter sido punidos por algo que não fizeram, enquanto outros alunos — que fizeram o mesmo — não foram punidos. Chamar os responsáveis é, sim, importante — pode ser uma oportunidade significativa de aproximação entre escola e família. A escola não está sozinha na tarefa de educar, e o envolvimento dos responsáveis é parte fundamental desse processo. Mas, sozinho, esse gesto não dá conta do cuidado necessário. É preciso que a escola também esteja disposta a escutar, acolher e investigar o que está por trás de certos comportamentos. Quando o contato acontece com escuta e diálogo, ele pode se tornar um espaço de parceria e construção conjunta de soluções. Por outro lado, sem esse olhar atento, o chamado pode virar apenas uma formalidade — ou, pior, um castigo compartilhado que expõe o aluno sem oferecer o apoio de que ele realmente precisa.

No caso de Lucas, o que mais o marcou não foi a conversa na sala, mas o silêncio depois dela. Anos depois, ele ainda lembrava da sensação de não ter sido ouvido — e de carregar sozinho um comportamento que talvez só precisasse de alguém disposto a perguntar: “O que está acontecendo com você?

*Atenção: A história, todos os nomes e personagens retratados nesta produção são fictícios. Nenhuma identificação com pessoas reais (vivas ou falecidas) é intencional ou deve ser inferida.