Percepções climáticas dos jovens brasileiros revelam consciência crescente — mas também contrastes raciais preocupantes
Pesquisa do Equidade.info indica que quase todos os estudantes do Ensino Médio acreditam nas mudanças climáticas, mas revelam visões distintas sobre suas causas e impactos, especialmente entre alunos brancos e negros.
Escrito por Felipe Soares
17:00 - 22 de Abril de 2025

Foto: Bruno Zanette
A juventude brasileira demonstra cada vez mais atenção às transformações do planeta. Mas será que ela entende o que está por trás das mudanças climáticas? Entre agosto e setembro de 2024, o Equidade.info ouviu estudantes do Ensino Médio de todos os estados do Brasil para entender como eles percebem a crise ambiental que já impacta suas vidas.
João tem 16 anos e vive na periferia de Recife. Desde pequeno, vê sua casa alagar nas primeiras chuvas fortes do ano. Na escola, diz ter ouvido falar sobre mudanças climáticas, mas não se lembra de ter tido uma aula focada no tema. Para ele, os desastres fazem parte da vida — mas ainda é difícil conectar isso à ação humana ou a decisões políticas.
Logo de início, os dados impressionam: 95,5% dos estudantes dizem acreditar que o planeta está passando por mudanças climáticas. É uma taxa altíssima, que indica como o negacionismo climático encontra pouco espaço entre os jovens brasileiros. Ainda assim, a pesquisa revela incertezas e divisões — especialmente sobre as causas e a gravidade do problema.
Quando questionados se acreditam que cientistas exageram ao falar sobre os impactos das mudanças climáticas, 25,2% dizem que sim, enquanto 8,9% afirmam não saber. A maioria (65,8%) demonstra confiar nas evidências científicas, mas o número de jovens que expressam dúvidas ainda acende um alerta sobre os limites da formação climática atual nas escolas. Os alunos também são convidados a refletir sobre as causas da crise ambiental. Diante da pergunta sobre qual seria a principal causa das mudanças climáticas, as respostas se dividem entre quatro opções: “principalmente a ação humana”, “combinação entre ações humanas e fenômenos naturais”, “apenas fenômenos naturais” ou “outro”. 48% dos estudantes indicam que a causa principal é a ação humana. Um número muito próximo, 46,7%, aponta para uma combinação entre fatores humanos e naturais. Apenas 1,9% dizem acreditar que o problema é causado apenas por fenômenos naturais, e 3,4% optam por “outro”.
É importante lembrar que reconhecer múltiplas causas não é, em si, um erro — afinal, fenômenos naturais também influenciam o clima. No entanto, o consenso científico é claro ao afirmar que a ação humana é o principal motor das mudanças climáticas atuais. Quando estudantes atribuem o mesmo peso às duas causas, isso pode sinalizar uma subestimação da responsabilidade humana, o que, por sua vez, compromete a urgência de soluções baseadas em mudanças de comportamento e em políticas públicas eficazes.
Essa percepção também varia entre grupos raciais. Entre estudantes brancos, 57% apontam a ação humana como causa principal. Já entre estudantes negros, a maioria (51,7%) diz acreditar na combinação entre ações humanas e naturais, enquanto 43% responsabilizam exclusivamente a ação humana. Essas diferenças podem indicar desigualdades no acesso à informação e à educação ambiental. Enquanto alguns grupos têm mais contato com debates científicos e conteúdos atualizados, outros ainda enfrentam barreiras estruturais que afetam o que se aprende — e o que não se aprende — sobre a crise climática.
Diante desse cenário, os dados reforçam uma urgência: não basta formar estudantes conscientes — é preciso formar também professores preparados para incorporar as mudanças climáticas no cotidiano escolar. É necessário garantir que o tema não apareça apenas em semanas temáticas ou eventos pontuais, mas esteja presente nos currículos, nas práticas pedagógicas e na formação inicial e continuada dos docentes.
Mais do que números, os dados revelam a importância de uma educação climática crítica, inclusiva e conectada à realidade das comunidades escolares. João talvez não saiba nomear o que vive, mas sente na pele os efeitos das mudanças climáticas. Sua história é o retrato de muitos outros jovens que, mesmo diante da crise, ainda não têm as ferramentas para compreendê-la — e muito menos para enfrentá-la. Formar professores e integrar o tema à sala de aula é o primeiro passo para mudar essa realidade.
*Atenção: A história, todos os nomes e personagens retratados nesta produção são fictícios. Nenhuma identificação com pessoas reais (vivas ou falecidas) é intencional ou deve ser inferida.